Nas avaliações posturais e biomecânicas que fazemos em corredores aqui na clínica, a pergunta mais frequente é: “Qual o tênis que você me recomenda?”. A maioria deseja saber qual é a marca e modelo que julgo ser o mais adequado, o que é difícil responder.
A verdade é que cada um se adapta melhor a um calçado diferente. Por mais que eu tenha preferência por um determinado tênis de tal marca, pode ser que minha escolha não caiba a quem me pergunta.
Muitos preferem calçados com solado mais alto, com mais amortecimento, acreditando que um par de tênis é capaz de evitar uma lesão. Entretanto, alguns estudos mostram quem isso não é verdade – se fosse, quem utilizasse calçados mais estruturados não estaria sujeito a lesões relacionadas ao impacto.
O que percebemos nas avaliações na clínica é que modelos com mais amortecimento podem aumentar a intensidade da pronação, caso o corredor tenha esse tipo de pisada e até para quem pisa de forma neutra. Porém, é importante entender que o corpo pode se adaptar à condição da pisada. Um estudo de Daniel Lieberman de 2015 mostrou que, não só podemos nos adaptar e mudar nosso tipo de pisada (como ele já teria comprovado em um estudo em 2010), mas que pessoas que correm com calçados mais minimalistas (com solas mais baixas e com menos amortecimento) têm mais chances de se adaptar a outros tipos de calçados e terrenos do que quem corre com tênis mais robustos.
Se você tem dúvidas sobre a composição de um tênis de corrida, eis alguns pontos para observar na próxima vez que for adquirir um novo produto.
Características principais de um tênis
Altura da sola
Os solados mais altos, como os maximalistas, tendem a diminuir muito a percepção do solo. A sola é alta em toda a sua extensão, independentemente do drop. Para quem quiser testar esse tipo de tênis, recomendo que o utilize nos dias de recuperação ativa (treino regenerativo, por exemplo), pois não acredito que esse tipo de modelo ofereça algum outro benefício.
Drop
É a diferença de altura entre a parte da frente (antepé) e parte de trás (retropé), que geralmente varia de 1 a 12 mm. Esse foi o item mais importante avaliado na pesquisa de Daniel Lieberman em 2010, que mostrou que quanto mais alto o drop, maior a tendência a entrar com o calcanhar no primeiro contato; quanto mais baixo, essa tendência favorece mais a parte frontal dos pés. Note que ressalto a palavra “tendência”, pois não é uma verdade absoluta.
Observações importantes:
– A mudança de calçado tende a mudar nossa pisada. – Atletas mais rápidos tendem a pisar primeiro com o antepé e preferir calçados mais baixos com menor drop. Mas isso não significa que essa preferência seja unânime. Há atletas que aterrissam primeiro com o calcanhar e usam tênis com drop mais alto.
Sola macia ou rígida
Até hoje não achei muitos estudos sobre o tema. Na prática, conversando com especialistas em biomecânica, há um consenso de que as solas mais macias tendem a aumentar a pronação, até mesmo para corredores neutros, o que não quer dizer que vá gerar uma lesão. Particularmente, prefiro solados mais rígidos porque não acho que vale a pena fugir do contato com o solo rígido que nos é natural por 2 milhões de anos de evolução.
Com todas estas informações, dá para ver que o corpo tem o poder da adaptação: quanto mais estímulos diferentes você fizer, maior capacidade de adaptação terá sua “máquina”.
Esse é um dos motivos que tem me levado a variar o tipo de calçado, os terrenos e o treinamento, o que coloca meu conhecimento em prática e refina as recomendações aos meus pacientes. Percebi que quanto mais invisto em terrenos irregulares para os treinos, mais forte e adaptado me sinto.
Portanto não tenha um único calçado preferido. É bom ter à disposição uns três de tipos diferentes — mais e menos macios, com drop mais alto, mais baixo, de trail, de estrada… Lembre-se de que não existem soluções simplistas e deterministas. Você tem um corpo capaz de analisar o ambiente e responder aos estímulos dados por ele.
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